sexta-feira, 18 de novembro de 2011

jactos poéticos

Joana, enquanto despenteava o tédio nocturno numa sede de novidade, tal como uma coruja mergulhada na escuridão ansiosa pela presa, descia o estendal de memórias dos seus dezanove anos, quando ainda dançava pelas ruas nos seus sapatos cor-de-rosa arrogantes e oferecia flores e folhas multicolores brotadas pela chegada do Outono às ruas da cidade. Depara-se então com o discurso alegre da mãe bonita do namorado da altura, que lhe relatava o sacrilégio de Fernando Nobre, quando vitimado pela tuberculose, entre os repuxos de sangue projectos pela sua boca, desenhava poesia nas paredes com o tecido vermelho. Ao ver-se confrontada com a poesia interna, Joana não se negou dois ou três pensamentos de inveja, de ter de forçar o sangue a pulsar fora das veias, quando a poesia nem sequer lhe pulsava no corpo. Fez um acordo silencioso de que, na falta de encantamento maior, viajaria para uma cidade doente, onde contrairia a doença que lhe trouxesse literatura aos vasos sanguíneos.