terça-feira, 8 de novembro de 2011

reptilis


Às nove da manhã começava a esconder as nódoas das pernas de quarta-feira, quando as de segunda começavam a desaparecer dos braços. Desde cedo apreciou os jogos de brincar às escondidas com o corpo, sendo assim escolheu o mamífero corpulento que servia de guarda da entrada da escola secundária onde ensinava as metáforas e metamorfoses da Língua Portuguesa, cuja beleza talvez resida nas suas nove vogais, extasiando-se com a transcrição fonética de poemas do século passado nada alarmados com acordos ortográficos dos quais desacordava. O seu corpo era um guarda-jóias que poderia ser atropelado, enquanto resguardasse a intangibilidade dos órgãos. Então o masoquismo vendia-se com palavras de segurança, que eram frequentemente pronunciadas por agentes policiais e amigos da família.
O amor era um combustível de desprezo, por isso a dimensão das nódoas deveria ser directamente proporcional à ternura. Vingava-se dos sentimentos como um animal esfomeado. O sangue ferve a loucura dentro das veias. Padecia-se das tias loucas, que visitava aos fins-de-semana, sob pena de parecer ingrata ante a condição genética que lhe foi oferecida. A loucura nascia-lhe nas veias, a loucura nasceu-lhe nas veias das tias.
Quando descobriu no útero umas veias a pulsar fora das suas veias. Com um cordão que não plantou. Com a integridade que não queria. Apercebeu-se que os órgãos estavam apodrecidos. Muniu-se então dos planos secretos dos nove anos, copiou a nota de amor da Virgínia Woolf ao Leonard, afixou-a no chão da cozinha onde despejou as caixas de comprimidos, largou a pele da cobra que era e partiu para terras do Norte onde pudesse gerar um filho sem  a loucura nas entranhas.