quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

mandamentos

Gracinda era uma mulher católica, acompanhante assídua das rezas domingueiras, que se sentava na primeira fila próxima ao altar em que o padre lia os salmões e se rejubilava com as tediosas insinuações de uma vida futura pela qual aspirava sem receios de se julgar uma mulher digna do céu e do cumprimento de deus todo-poderoso. Cumpria os mandamentos exemplarmente e costurava as suas roupas num preto contínuo, em honra do seu amado pai falecido e que lhe ensinara os propósitos divinos para com as mulheres, honrando a procriação e a servidão humana. No entanto, todos os dias, às nove horas em ponto, depois do término do telejornal, o marido arregaçava-lhe as saias pretas apertadas de um luto interminável desavergonhado dos trinta anos de casamento, enquanto ela tentava tapar as nádegas macias onde o marido enfiava as mãos brutamente na ânsia do término, pois o futebol começaria não tardava e mais valia um orgasmo semi-realizado do que a perda de um golo.

Enquanto o homem primitivo, com um bigode desajeitado que a entupia de pêlos a saber a caldo verde, tropeçava na boca da mulher, Gracinda tentava ajoelhar-se orando a sua ladainha de terços, porque antes de foder, certa de o seu pai já falecido a poder vislumbrar naqueles preparos indignos, perdia-lhe perdão e rezava pela salvação da sua alma. Os seus filhos todos criados haviam deixado a casa, pelo que já não podia fingir que a procriação a impelia aos estímulos de vai-e-vém que apreciava com a sensatez necessária ao cristão.

Aos Sábados, na esperança de poder comungar no Domingo seguinte, confessava ao Sacristão o número de orgasmos, pedindo perdão por cada um deles, acrescentando também os relatos pormenorizados das posições, frequência e intensidade, tentando não omitir pecados, consciente da omnipresença e omnisciência de deus, que haveria de saber-lhe os pensamentos ou assistir aos actos. Então o padre macilento vergava-se para ocultar o pénis erecto que lhe empurrava as calças apertadas. A batina salvava-lhe a alma da vergonha. Durante anos rezou para que a mulher encurtasse os seus relatos, mas a culpa impelia-a a uma verborreia indispensável, pelo que o padre numa ida à Fátima, depois das trinta voltas em joelhos, fez uma promessa de que a masturbar-se seria apenas a pensar na Nossa Senhora de Fátima  e na Santa Igreja Católica.