domingo, 18 de março de 2012

Manuela

Começou a comer que nem uma lontra (peco por desconhecer os hábitos alimentares deste animal) quando, rejeitada aos doze anos por moças de pernas altas e loiras, reconheceu no seu corpo um vazio emocional denominado estômago que atulhou de enchidos, cozidos à portuguesa, feijoadas, comidas pesadas para perpetuarem a lição de preenchimento. Chegou aos trinta anos sentada num sofá onde dormia por falta de mobilidade, sendo que o seu rabo não mais dele se distinguia. Todas as semanas a irmã afugentava os maus cheiros visitando-a, limpando a sua sujeira, substituindo as garrafas com mijo por garrafas vazias e as bacias cagadas eram lavadas com as mãos com um desinteresse habituado à merda da irmã a quem já conhecia os excrementos como se lhe limpasse o caixote da areia.

Quando finalmente a convenceram a ser descida por um guindaste e conduzida ao hospital para a colocação da banda gástrica, iniciou-se o processo de diminuição de números de roupa. Introduzida ao feminismo tardio, iniciou-se nos padrões florais, cores garridas, sapatos de salto alto, maquilhagem a cobrir de saúde as bochechas que outrora eram almofadas de gordura. Os homens impressionados com as mudanças, debatiam-se com convites de namoro e saídas nocturnas que nunca efectivaram pois, chegados aos cafés da aldeia, ouviam-se os comentários jocosos sobre a gorda do guindaste enquanto se faziam apostas de duração da magreza.