sábado, 31 de março de 2012

a mulher feia


Joana nasceu feia. Assim que a retiraram das entranhas da mãe, os pais reiteraram a sua crença da essencialidade do carácter. Durante a sua infância, a feia criança foi introduzida ao isolamento e à companhia de gatos por considerarem que o seu futuro seria a existência solitária entre miares continuo por falta de companheiro que a desejasse. A riqueza da sua família, aliada ao controlo ditador das suas amizades, preveniu que joana fosse catalogada como a feiosa das redondezas, tendo crescido com a certeza de igualdade ou superioridade monetária sobre os demais. De sua casa foram eliminados os conceitos referentes a futilidades estéticas e a construção de ideias de beleza que combinassem com a fealdade de Joana: os quadros que preenchiam as paredes retratavam mulheres hediondas, com narizes que acompanhavam a cara de uma extremidade à outra e testas de uma dimensão tal que serviriam de aeroportos. 

Com a entrada na escola, os pais viram dificultada a tarefa de controlo, pelo que compraram o edifício, exigindo que a punição para maus-tratos a Joana fosse a expulsão imediata. Os alunos introduzidos ao código escolar, aproximavam-se de joana com medo das represálias. Pequenos incidentes marcaram a sua instrução, tendo sido imediatamente excluídos da permanência escolar, pelo que joana atribuiu o seu comportamento a loucuras esporádicas provenientes de bichas não controladas por medicamentos de toma periódica. 

Casou aos vinte e sete anos, cansada da solidão do gatil em que se tornara o seu quarto. O marido, um homem gordo da construção civil que havia reabilitada a mansão no ano anterior, sedento dos luxos matrimoniais, ajoelhou-se entre os gatos e envergou a pobre aliança dada pela sua mãe na esperança de o ver alapar-se noutros sofás. Apesar dos acordos de recepção nula do capital monetário de Joana em caso de divórcio, deslumbrado com as luxúrias mas infernizado com a ausência de sexo, atirou-lhe aos ouvidos injúrias, acusando-a de uma fealdade tal que a sua protuberância sexual acusava morte cerebral.

Joana no mês seguinte esfaqueou o seu rosto e foi internada numa unidade psiquiátrica, onde descobriu que entre malucos a sua fealdade era o menor dos seus defeitos.