«Sempre acontecem coisas quando vou a Notre-Dame. Certa vez, encontrei um
conhecido de Porto Alegre que não via pelo menos há 20 anos. Outra,
chegando de uma temporada penosa numa Londres congelada e aterrorizada
por bombas do IRA, na época da Guerra do Golfo, tropecei numa greve de
fome de curdos no jardim em frente. Na mais bonita dessas vezes, eu
estava tristíssimo. Há meses não havia sol, ninguém mandava notícias de
lugar algum, o dinheiro estava no fim, pessoas que eu considerava amigas
tinham sido cruéis e desonestas. Pior que tudo, rondava um sentimento
de desorientação. Aquela liberdade e falta de laços tão totais que
tornam-se horríveis, e você pode então ir tanto para Botucatu quanto
para Java, Budapeste ou Maputo — nada interessa. Viajante sofre muito: é
o preço que se paga por querer ver “como um danado”, feito Pessoa. Eu sentia profunda falta de alguma coisa que não sabia o que era. Sabia só que doía, doía. Sem remédio.
Enrolado num capotão da Segunda Guerra, naquela tarde em Notre-Dame rezei, acendi vela, pensei coisas do passado, da fantasia e memória, depois saí a caminhar. Parei numa vitrina cheia de obras do conde Saint-Germain, me perdi pelos bulevares da le dela Cité. Então sentei num banco do Quai de Bourbon, de costas para o Sena, acendi um cigarro e olhei para a casa em frente, no outro lado da rua. Na fachada estragada pelo tempo lia-se numa placa: “II y a toujours quelque choe d’abient qui me tourmente” (Existe sempre alguma coisa ausente que me atormenta) — frase de uma carta escrita por Camilie Claudel a Rodín, em 1886. Daquela casa, dizia aplaca, Camille saíra direto para o hospício, onde permaneceu até a morte. Perdida de amor, de talento e de loucura.»
Enrolado num capotão da Segunda Guerra, naquela tarde em Notre-Dame rezei, acendi vela, pensei coisas do passado, da fantasia e memória, depois saí a caminhar. Parei numa vitrina cheia de obras do conde Saint-Germain, me perdi pelos bulevares da le dela Cité. Então sentei num banco do Quai de Bourbon, de costas para o Sena, acendi um cigarro e olhei para a casa em frente, no outro lado da rua. Na fachada estragada pelo tempo lia-se numa placa: “II y a toujours quelque choe d’abient qui me tourmente” (Existe sempre alguma coisa ausente que me atormenta) — frase de uma carta escrita por Camilie Claudel a Rodín, em 1886. Daquela casa, dizia aplaca, Camille saíra direto para o hospício, onde permaneceu até a morte. Perdida de amor, de talento e de loucura.»