sexta-feira, 13 de julho de 2012

rotina


Margarida é uma mulher meticulosa. Chega a casa às 17:20, depois de caminhar dez minutos entre o emprego no tribunal e a sua casa num trajecto lapidar apesar das alternativas mais cómodas em dias chuvosos ou do tráfego endiabrante em hora de ponta. Entrega o casaco ao chapeleiro, os sapatos colocados por cores e função na sapateira, as meias a percorrem a casa imaculadamente limpa com as chaves previamente largadas no hall de entrada. A organização extrema expulsava os animais, pelo que nem uma aranha parasita se encontrava entre os eletrodomésticos. Margarida mantinha a sua vida num continuum de previsibilidade, então quando o seu mais frequente cliente se libertou dos escrúpulos pedindo-a em namoro e lhe atirou para as goelas uma entropia incompensável, ela apenas rejeitou o pedido daquele homem bonito que a tornava numa barata desassossegada. Dirigiu-se para casa ao fim do dia certa de não voltar ao tribunal, limpou as divisões onde encontrava resquícios de um pó observável apenas à sua obsessão, colocou o veneno dos caracóis que lhe comiam as couves no frasco dos comprimidos benuron, que lhe aliviavam as dores de costas e, face às suas dores comuns, entregou-se aos comprimidos enquanto distraidamente lia as revistas fúteis que a lembravam do que repudiava por não possuir.