sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Francisca

Francisca tinha cinco anos quando desistiu de cortar cabelos e arrancar cabeças de barbies e voltou a atenção para o seu organismo. Ela era um rato de laboratório no gabinete que era ela. Esqueceu-se do ácido sulfúrico e dos gobelés. Juntou o corpo à água fria do ribeiro, esqueceu os casacos, a chuva, cortou do corpo as pessoas que eram o corpo. Ao atingir a adolescência era uma sede de aceitação inesgotável. Nunca pecava pela recusa. O corpo era um vaivém no espaço que eram todos os rapazes da turma. Encantava-se facilmente. O amor era um trapo sujo no dedo anelar. Beijava tesouras e agulhas. Nadava de costas e sustinha a respiração na banheira. Numa noite, afogou-se o suficiente para não ter medo. Voltou a afogar-se no dia seguinte. Os rapazes viraram homens. A Francisca era uma mulher de pernas longas quando mudou de ares. A casa era ampla. As visitas eram frequentes, no entanto não casou porque os homens se esqueciam de fechar a porta enquanto recordavam o dinheiro na secretária, junto dos romances alegres e comuns, que despegavam o cheiro a solidão dos domingos.