sábado, 5 de novembro de 2011

Pai Natal

O meu pai, nos seus cabelos brancos associados a uma calvície precoce, relatou ao jantar o episódio de descoberta da inexistência do Pai Natal. Ao descer mentalmente os anos, questionei-me se existiria Pai Natal quando o meu pai era criança. Pareceu-me infantil ouvir-lhe da boca Pai Natal, constrangeu-me a proximidade, ele estava na infância onde eu gritava Pai Natal, o que produziu em mim gargalhadas histéricas a disfarçar o desconforto. O meu pai era um miúdo à mesa. Ao relembrar-me do episódio de hoje, revejo o meu pai e constato que naqueles cinco minutos de pequenez, a roupa era grande demais, as peças terminavam depois do corpo, com os pés a caminharem nos joelhos das calças e a camisola a preparar-se para uma barriga saliente que ainda era escassa. Enquanto dançavam os seus braços entre o prato e a boca, estávamos em 1970, o meu pai tinha oito anos e perdeu o Pai Natal quando ao acordar durante a noite, encontrou a mãe, uma senhora pequena e rosada, com caracóis castanhos característico da simpatia, a colocar um avião no sapatinho. Logo denunciou a sua presença pelo que a minha avó pediu-lhe segredo, era o mais velho dos irmãos, seria imperativo manter a farsa. No dia seguinte, ainda desolado, o meu pai que tinha descoberto da inexistência do Pai Natal, emudeceu-se face ao contentamento dos quatro irmãos mais novos. No entanto, o avião viajou nas mãos do meu pai o tempo suficiente para o transportar para os meus primeiros anos de vida, enquanto gritava pelo Pai Natal, e a minha mãe, que podia ser a minha avó, colocava os presentes nos sapatinhos da cozinha. Encontrei os presentes debaixo da cama num saco preto, nunca surpreendi o crime da minha mãe, contudo o desgosto foi o mesmo. Se te encontrasse nos meus seis, sete anos, desiludida com a inexistência do Pai Natal, confortar-te-ia pai, porque afinal de contas esqueceste-te que restar-nos-á sempre a fada dos dentes. Garanto-te que a velhice trá-la-á pela mão.