segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Mariazinha

A Mariazinha iniciou-se na arte da escrita de cartas de amor endereçadas a si própria nos seus quinze anos de idade, quando desiludida pela sua falta de amor pelo real se iniciou no encantamento literário e pelas paixões internas. Aos cinquenta anos, quando se senta à mesa de Natal, junta-se a familiares que mastigam com a boca aberta enquanto relatam episódios televisivos cujo humor nunca compreende, guardando à sua esquerda o lugar do seu marido sempre em negócios que lhe envia postais continuamente na esperança que a ausência não seja notada. Mariazinha, sentada ao lado esquerdo da ausência, transporta a caixa cheia de envelopes lacrados a cera vermelha, enquanto aguarda a chegada a casa, o acomodar-se no sofá onde se escreverá os relatos que desejaria ouvir de um marido inexistente. Mariazinha casada com uma caixa de sapatos de cartas de amor, finge há trinta e cinco anos um amor do qual não ousam duvidar na esperança de que a mentira seja suficientemente crédula para afastar a loucura de um amor doentio pela perfeição.