sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

melancolia

Enquanto a voz melancólica enche-me o ar de pequenas notas musicais ordenadas na composição receitada da nostalgia, recuo os anos até encaixar nas escadas precipitadas e ocas, onde sempre caminhei com precaução não fosse cair e fazer-me acompanhar na queda por morcegos endiabrados e teias de aranha que me preenchiam de pequenas fitas brancas a desenhar-me rotundas no corpo a lembrar-me a árvore de natal. Subias as escadas com a mão entrelaçada na minha, garantido que um fantasma me não raptasse. Confessavas-me gostar daquela casa, das paredes manchadas e húmidas que agravavam a tua asma e afectavam o meu corpo gelado. As restantes pessoas juntavam-se em torno da música que o computador largava, lembro-me do Ivo magro sentado na cadeira no outro extremo da sala, enquanto permanecia próxima da janela, sem no entanto sair para a varanda, a escutar a noite nos carros do Porto, uma ambulância ao longe a anunciar-me que morro. A minha mãe benze-se quando encontra carros funerários e ambulâncias e pragueja quando avista freiras, sendo ela uma católica ligeiramente praticante, relembro-a sempre da suposta bem-aventurança  das dedicadas ao bibe. As casas velhas do Porto e eu esmagada agora, se me permito afundar nas memórias, creio cair da varanda. Vislumbrava-te os actos e os gestos e o cabelo a cair-te no rosto, pedinchava silenciosamente que te atirasses ao meu corpo no meu amor obediente.
A árvore de Natal desligada atrás de mim. Estou velha e é Natal, na sexta-feira fui ao médico com a minha mãe, a recepcionista perguntou-me se queria comprar uns livros para crianças para oferecer no Natal, como não tenho crianças não trouxe os livros. Estou à espera das crianças que enfeitem o Natal de risinhos e pedidos ao Pai Natal. Os filhos dos meus irmãos e primos. Estou velha porque é Natal e não há crianças.
Se regresso à varanda da casa do Ivo, alugada à idosa que nunca vi mas acredito ter rugas e saias compridas, com o cabelo branco apanhado no cimo da cabeça, que eu nunca compreendi como são as mulheres idosas capazes de assim o usar permanentemente dadas as dores de cabeça que os fios puxados provocam ao fim de algumas horas, é porque estou infeliz. O meu descontentamento acrescenta-te provavelmente por teres banhado as varandas de um carácter manipulador que me distorceu o ego até à solidão.
Faltam duas semanas para o Natal, talvez a minha prima esteja grávida e eu desconheça, alguém adoptado, as minhas tias prenhas, o cão talvez tenha tido filhos, o meu gato, hei-de ter crianças para o Natal. Volto à clínica de saúde, compro uma dúzia de livros para oferecer às crianças, grito pelo Pai Natal à meia-noite com a garganta dorida do frio das paredes geladas da minha avó que se faz acompanhar de uma manta que hei-de pedir que partilhe comigo.
Acendo as luzes pisca-pisca da árvore de Natal, ora azul, verde, amarelo e finalmente vermelho. Desligo a música melancólica, aqueço o corpo magro e empurro o teu cadáver para a caixa debaixo da minha cama onde se reúnem diariamente os fantasmas.