sábado, 7 de janeiro de 2012

fealdade

Quando deambulo pelos livros de mulheres que prevaleceram, algumas ousando e usando um disfarce masculino como nome, apercebo-me frequentemente da sua fealdade física. Se aos homens não comove uma extensão de páginas fatalistas, certamente não responderão à face desfigurada e ao corpo tardiamente atropelado pela beleza. Quanto mais dilacerante o poema mais rugas se apoderam do rosto, um romance projectado pela vagina da escritora cujo grito é imediatamente perseguido por uma verruga no nariz enorme. Órbitas esbugalhadas , lábios finos, mãos envelhecidas, corpo magro curvado acrescentado a pincel a uma tez anémica a alimentar-se dos pés enquanto a acelerada alopecia confunde os transeuntes do género da mulher. Nas roupas gastas reconhece-se o culto do feio. Duas linhas e as meias rotas.
Então, quando aos quinze anos me apercebi que a fealdade se manifestava em palavras encadeadas em fórmulas de uma perfeição incompleta que perdura, rasguei os diários pré-adolescentes em que suplicava a um Deus, em que nunca acreditei totalmente, por uma verruga, apenas uma, talvez duas num dia solarengo, que me largasse no corpo ou na alma (desconfio de palavras metafísicas, a indefinição facilita desilusões) três linhas de um amor comovente que toldasse a razão dos meus objectos de desejo: uma guilhotina libertadora do livre arbítrio, que me apoderasse – tal cupido – da competência de determinar quem se enamoraria por mim. Cultivei o feio, com tal intensidade que me confundiram o género, felicitei-me então porque os romances me chegariam às mãos. Bastaria munir-me de folhas brancas e canecas recarregáveis, entregar-me ao sono, que acordaria com o poder letal em pequenos frascos de geleias de palavras enamoradas que ao atingirem o objecto de desejo provocariam paixões inesgotáveis. Ao aperceber-me do insucesso das palavras, restou-me a fealdade que permanece, tentando, contudo, evitar desenvolvimentos da alopecia precoce reduzi os banhos para um calendário mensal que cumpro religiosamente como um padre que na missa bebe vinho tinto e come o corpo de Cristo sem trincar, porque a ser canibal há que sê-lo com a maior desculpa possível.
Se escrevo penosamente é por ainda não ter atingido a fealdade necessária, amanhã cultivo umas manchas faciais da pele devorada pelo sol e regresso para acabar este texto.