sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

imaginários

Na sala de espera, Janeiro reveste-se de doenças mentais às quais me vergo na esperança de que a dor externa não me ofenda os lábios. Alguém grita que parem enquanto continuam a carnificina e, apesar da certeza de ali não residir malícia, a clemência apaga a sensatez e forço-me a entrar em quartos interditos e resgatar doentes para que morram ou gritem ou sofram como melhor lhes aprouver. Ao meu lado, inesgotável, uma mãe ignorante roga pragas a uma filha debilitada, cravando-lhe no cérebro percursos sinápticos repetitivos, visando que a exaustão auditiva a force a apreciar a sua existência, porque há sol e estrelas e algures num campo longínquo girassóis floridos em amarelos intermináveis.
Hoje, antes de me deitar, visualizarei campos de sóis que giram para esquecer os gritos da sala de espera, dos choros e da sinceridade despreocupada porque no serviço de Psiquiatria a vergonha aguarda o retorno ao corpo, à noite, deitada na cama. Asseguro-me do cinzeiro da minha pele e apago os cigarros da minha memória, as mulheres a solicitarem internamentos enquanto um paciente com demência se questiona se pode adiar para amanhã a sua estadia no Magalhães Lemos, então o sem abrigo, que o conduziu ao hospital, explica-lhe que não existem adiamentos na possibilidade da existência de uma cama disponível. Eram onze horas quando o sem abrigo se despediu para procurar um apartamento debaixo de um cartão. Ao recordar-me da sua compaixão, suplico que não chova na sua moradia pois os tectos são falíveis e não o pretendo encontrar noutras andanças hospitalares.