sábado, 4 de fevereiro de 2012

escarros

A freira protegida do frio pelas gorduras ventrais, envergava com rigor a sua batina cinzenta, de uma indefinição que julgo atribuir-se aos religiosos por transformarem a metafísica em pão-nosso de cada dia pela substituição do corpo e vinhos que são o sangue, numa vã semelhança com os alcoólicos que bebem deus na ânsia de redenção pelo esquecimento e os pobres empurrados para o amido das sobras de ontem, de um corpo duro, hirto, que se recusa a vergar na cruz, repleto de espinhos e sangue que jorra em pipas guardadas em caves empoeiradas e frias, esperava pelo comboio numa paz passageira até à chegada ao convento onde se criam demónios para convencer crianças de que deus é pai e filho e espírito santo. A sua cabeça girava constantemente a encarar com desprazer um homem canceroso que escarrava continuamente num som odioso das entranhas a expulsarem a merda pela boca e a projectar para os escarregadores inexistentes os seus dejectos numa sucessão interminável de emissão de fumo pelas narinas acompanho por um escarro, fumo escarro, fumo escarro, os ouvidos da freira perturbados pela merda a poluir o chão do nosso senhor, o nosso senhor que inventou os escarros e, por isso, uma sucessão de falhas.
Finalmente, a freira moída da contínua observação dos ponteiros do relógio numa espera prolongada pela sincronicidade dos sons guturais, muniu-se do terço, iniciou uma contagem de dez ave-marias e um pai-nosso, novamente dez ave-marias e um pai-nosso, numa contradança com os escarros e o fumo. A freira, que não é mais mulher, cuja vagina pecou por inutilidade, cansada de não usufruir das vantagens de ser casada com o nosso senhor, cessou a reza, elevou os olhos para o céu cinzento – deus seguidor fervoroso de modas, combinou as suas vestimentas com as batinas das suas esposas – e pediu que o próximo escarro se acompanhasse dos pulmões, ou das cordas vocais, bastariam as cordas vocais para terminar com o barulho infernal do escarro a percorrer-lhe as entranhas.