terça-feira, 1 de maio de 2012

urina


Impingem-me o suplício anual de mijar num copo após a delicadeza vampírica de me colocarem o sangue em frasquinhos que beberão através de microscópios endiabrados que tomam a liberdade de realizar insinuações acerca da minha saúde. Entrego-lhe as minhas veias, como um drogado aplicado, endireita-me a mão e aperta-me o braço enquanto o azul se destaca. Desconhecia o meu desprezo por agulhas: textura e temperatura deprimentes. A enfiarem-me objectos nas veias pelo menos que me atirem o cérebro num orgasmo de anfetaminas. A saúde é uma necessidade deprimente, hoje apetece-me um atropelamento e o corpo rebentado, dias hospitalares, enfermeiras distraídas a tocarem-me nos órgãos onde não gosto de ser tocado sem retribuição enquanto relatam episódios bocejantes dos maridos gordos que enfardam cervejas e tremoços em halitoses futebolísticas. Entro na casa de banho do outro lado do corredor pronto a enfiar o pénis no copo, confronto-me com uma urina de um amarelo garrido que me deprime, atravesso o corredor humilhado da falta de consumo adequado de água. Entrego o copo à mulher da recepção, com o nome no recipiente a garantir que não haverá enganos, os resultados dirão que a minha urina é amarela, a minha médica dir-me-á que deverei consumir mais água e, como um tuberculoso, baixarei os meus olhos e taparei a boca, na ânsia de não contagiar os meus próximos com a minha imprudência recente.